Código canônico de João Paulo II não fala em comunistas; post usa alegação falsa contra Francisco 3oo3s
PONTÍFICE ARGENTINO NÃO SE DEFINIA COMO COMUNISTA E CRITICOU DOUTRINA; NORMA CATÓLICA ATUAL PUNE ABANDONO OU RENEGAÇÃO DA FÉ 1q246g
O que estão compartilhando: que o papa João Paulo II publicou, no Código de Direito Canônico de 1983, que "professar a doutrina comunista é motivo de excomunhão automática". Isso demonstraria que ele lutou contra o comunismo, diferentemente do papa Francisco, morto nesta segunda-feira, 21. 6o403
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O Código de Direito Canônico de 1983, em vigor até hoje e publicado durante o pontificado do papa João Paulo II, não determina especificamente a excomunhão de comunistas ou de pessoas com outras posições ideológicas. Um texto anterior, de 1949, do papa Pio XII, trata do assunto - mas há controvérsias se ele tem validade, já que o código de 1983 suspendeu as normas católicas anteriores. O código atual pune a apostasia, o abandono ou renegação da fé.
O papa Francisco criticou diversas vezes durante seu papado o sistema econômico mundial e o "capitalismo selvagem". Isso fez com que críticos colassem a ele o rótulo de "comunista" - mas o pontífice nunca se definiu como um. Ele chegou a criticar a doutrina.
Saiba mais: Com a morte do papa Francisco, no Vaticano, na última segunda-feira, 21, conteúdos desinformativos se espalharam nas redes sociais sobre a figura que liderou a Igreja Católica nos últimos 12 anos. O pontífice foi reconhecido como uma liderança que aproximou o catolicismo das minorias e dos mais pobres.
A Congregação respondeu negativamente às três primeiras perguntas e positivamente apenas à quarta, com a justificativa de que "o comunismo é materialista e anticristão" e que "os líderes comunistas, embora às vezes professem verbalmente que não combatem a religião, na realidade, seja pela doutrina seja pela ação, mostram-se hostis a Deus, à verdadeira religião e à Igreja de Cristo".
Diante do resultado, o decreto ordenando a excomunhão automática dos comunistas foi publicada nas Atas da Sé Apostólica em 1º de julho de 1949, apartando cristãos comunistas de receberem os sacramentos e de participarem da vida religiosa em comum. Avisos sobre o decreto e os pecados dos comunistas foram espalhados em igrejas na Itália.
O decreto de excomunhão daquela época ainda está em vigor?
Para o professor Francisco Borba Ribeiro Neto, ex-coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e editor dos cadernos de cultura e cidadania do Jornal da Arquidiocese, é comum haver certa confusão sobre o tema.
O Código de Direito Canônico de 1983 ab-rogou (suspendeu) tudo que não estava em conformidade com o novo texto, mas não explicitou quais pontos especificamente tinham caído, além do Código anterior, de 1917.
O cânon 6 do Código de 1983, publicado por João Paulo II, suspendeu a validade do Código Canônico de 1917 e de outras leis que não fossem contempladas pelo novo texto. Não há, no texto mais recente, condenações específicas a uma ou outra doutrina ideológica, como fazia o decreto de 1949.
"Isso se deve à constatação que as opções ideológicas não são blocos monolíticos, onde podemos concluir que todos aqueles que adotam uma postura ideológica concordam integralmente com elas", explicou Ribeiro Neto.
No entanto, um dos motivos pelos quais os comunistas foram excomungados em 1949 foi a apostasia, ou seja, a negação ou o abandono da fé, de forma consciente, pública e recorrente. O delito aparece nos cânones 751 e 1364 do novo Código. E quem comete apostasia ainda é ível de excomunhão, seja comunista ou não.
"Um católico que rejeite os princípios da fé católica, tais como a existência de Deus e a natureza humano-divina de Cristo ou a fundação da Igreja por Cristo mesmo, comete apostasia", explicou.
Por outro lado, se alguém adere à doutrina comunista sem negar a fé não incorre em apostasia. "Um comunista que praticasse sistematicamente o combate à Igreja incorreria em apostasia e excomunhão, mas uma pessoa que abraçasse o comunismo por seus valores de igualdade e justiça social, sem abraçar suas convicções ateístas, não estaria excomungado automaticamente", explicou.
"Se ele ainda crê em Deus e na Igreja, não cometeu apostasia, mesmo que tenha uma fé desvirtuada, que precisa ser corrigida", completou o professor.
